Dívidas (2)
Publicado em 24/11/2015
Os empréstimos só se justificam pela urgência e necessidade indeclinável de momento, ou pela compensação que em maiores vantagens deles aufere a geração onerada com o encargo do pagamento”.
F. Belisário Soares de Souza
Quando abri minha primeira conta-corrente no Comind 1, no início da década de 1970, nem se pensava em informatização e todo o serviço era feito por funcionários de carne e osso.
As assinaturas eram conferidas nas fichas “in-loco” e a transação era anotada pelo Caixa, para posterior contabilização.
Mesmo com custos maiores, o banco remunerava todas as contas-correntes, com uma pequena taxa de juros. Era uma merreca, mas bem melhor do que hoje em dia, pois mesmo com custos menores depois da automação, eles não apenas nada pagam pelo uso do nosso dinheiro para financiar seus caríssimos empréstimos, como ainda tem a audácia de nos impingir taxas de serviço cada vez mais onerosas.
É triste constatar, revendo a história, que sempre foi assim.
No meu artigo anterior sobre este tema — Dívidas (1) — há uma tabela com os dispêndios efetuados em 1825 relativamente à nossa primeira dívida externa, e nela podemos constatar que a maior parcela dos valores pagos foi com juros e outros encargos financeiros.
O efeito bola-de-neve desses onerosos empréstimos exigiam um sacrifício imenso da recém-nascida Nação brasileira, que enviava para a Europa a maior parte do seu trabalho, sob a forma de “pau-brasil” e diamantes brutos.
Mesmo assim, a situação deficitária impedia o cumprimento de todos os compromissos assumidos após a inclusão da dívida da coroa portuguesa, levando o Ministro Miguel Calmon Du Pin e Almeida a declarar, em seu relatório de 1828:
Temos portanto, Augustos e Digníssimos Senhores, um grande Déficit que suprir. Árdua empresa, em verdade, nas circunstancias presentes. Por mais que esperemos da indispensável economia nas Despesas Publicas, e do gradual aumento das Rendas Nacionais, não será fácil cobrir o mesmo Déficit sem recorrer a novas operações de crédito, e a novos tributos. Sei quanto é odioso lembrar a necessidade de tributos, mas também sei quanto é decoroso não encobrir a verdade; quanto é louvável não trair a consciência própria; e quanto é justo e decente não iludir a Nação.”
Vejam, pois, que a imposição das CPMF da vida vem de longe...
A situação financeira do Império só se agravava. Foi, então, negociado, em Londres, no dia 3 de julho de 1829, pelo Visconde de Itabaiana, Ministro Plenipotenciário e Enviado Extraordinário do Brasil àquela cidade, um empréstimo de £ 400.000 com as Casas de Nathan Mayer Rothschild e Thomaz Wilson & Co.
Esse foi um dos piores empréstimos até hoje negociado pelo Brasil, fazendo crer que foi gorda a comissão do Plenipotenciário Itabaiana.
Em 1830, com o empréstimo de £ 400.000, cujo montante nominal ascendeu a £ 769.200, nossa dívida externa passou a exprimir-se pela cifra de £ 5.855.400.
No seu relatório daquele ano, entretando, o Ministro da Fazenda, marquês de Barbacena, dourava a pílula, com as seguintes palavras:
Nem eu conheço entre os grandes Estados um só, que ofereça a seus Credores a sólida garantia, que o Brasil apresenta. Poderia fazer a comparação entre a receita, e a dívida das Monarquias Europeias; mas é melhor, e de irresistível convicção, a comparação feita no Continente do Novo Mundo; e com uma Nação, que esteve em circunstâncias iguais e cuja receita tem sido, como a nossa, constantemente progressiva. Os Estados Unidos d'América ficaram empenhados no fim da sua revolução em 150 milhões; a sua receita era apenas de 9 milhões; a inundação de papel era ali mais fatal do que tem sido entre nós; e contudo mediante três atos Legislativos, (fundação da dívida, criação do Banco, e novo sistema monetário) dentro de seis meses o papel moeda foi retirado da circulação, e o crédito do Governo estabelecido sobre um sistema de finanças tão sólido, que se conserva ilibado até hoje a despeito de ulteriores guerras, e aquisições mui dispendiosas.”
E conclui com uma proposta indecorosa e antipatriótica, mãe de todas as privatizações:
Para pagamento de nossa divida, sem falar em uma receita ordinária e sempre crescente, temos para cima de dois milhões de milhas quadradas de terras incultas e excelentes, que poderemos vender, temos 5 até 6 milhões de dívida ativa para encontrar, e muitas Propriedades Nacionais de grande valor, que deveremos vender em tempo próprio.”
O Brasil caminhava celeremente para o caos financeiro já em 1831, com um enorme derramamento de moeda de cobre falsificada, despesa excessiva em relação à receita e crescimento desproporcional de seus compromissos externos.
Diante disso, o Ministro da Fazenda de então, José Inácio Borges, apresentou duas propostas à Câmara: a primeira visando o resgate da moeda de cobre, e a segunda propondo a suspensão por cinco anos, do pagamento dos juros e amortizações dos empréstimos externos, para aplicar naquele resgate as somas destinadas a esse serviço.
Nossa ilustre Câmara, por sua vez, constituiu uma comissão para dar parecer sobre os projetos, composta pelos deputados Montezuma, Hollanda Cavalcanti e Manuel Maria do Amaral, que o emitiu em apenas 24 horas, propondo:
... fosse rejeitada a dita proposta não só por ser incompatível com a dignidade de um povo justo e livre, e eminentemente impolítica nas atuais circunstâncias, como por ser desnecessária.”
Parece tudo tão atual, não é mesmo? Por isso é que vivo repetindo aquele velho provérbio francês: “mais isso muda, mais é a mesma coisa”.