Packet Radio
Publicado em 31/03/2017
Em meados da década de 1980, meus hobbies predominantes eram o radioamadorismo e os microcomputadores, estes últimos ainda de uso muito restrito, pois nas corporações predominava o Mainframe.
No início da saudosa década de 1990, um colega radioamador de São José dos Campos, que viria a se tornar um grande amigo, Ítalo Falconi, apresentou-me o Packet Radio, ou Rádio Pacote, que consistia num sistema de comunicação baseado na conexão de um computador com um aparelho de radioamador.
Embora fosse possível operar Packet Radio tanto em transceptores HF como VHF, a onda naquela época era usar nossos pequenos rádios de VHF, pois seu límpido sinal em FM era mais fácil de decodificar usando os modems primitivos de então.
O problema dos transceptores de VHF é seu alcance muito limitado, mas isso era contornado pelas estações repetidoras, que alguns abnegados radioamadores mantinham nos picos da serra da Mantiqueira, já usadas para comunicação em fonia.
Quando operava meus aparelhos de radioamador, já tinha escutado em algumas frequências o ruído característico dos rádio pacotes:
Os rádios, já tínhamos. Faltava apenas o Modem para conectá-lo ao microcomputador, que também já possuíamos, e o Falconi tinha descoberto um radioamador em São Paulo que estava comercializando uma montagem caseira do Modem Baycom.
O Baycom, na verdade, era um software desenvolvido pelo radioamador alemão Florian Radlherr (DL8MBT), para executar o protocolo AX.25 usando um circuito projetado em colaboração com outro radioamador alemão, Johannes Kneip (DG3RBU), mas todo o conjunto ficou conhecido como "modem Baycom". Se quiserem conhecer mais este dispositivo, consultem este documento histórico (em inglês).
Foi assim que partimos para São Paulo, onde adquirimos dois modens Baycom montados pelo radioamador Júlio Sérgio. Sei o nome dele porque está gravado na placa de circuito impresso da minha unidade, que guardo até hoje como lembrança.
O domínio predominante naquela época era o .edu, seguido pelo .org... ainda demoraria um bom tempo para serem sobrepujados pelo domínio .com.
Estavam na moda as BBS (Bulletin Board Systems), usando Modems telefônicos. Uma famosa foi a Mandic BBS, mantida pelo pioneiro na área de telecomunicações, Aleksandar Mandić, mas existiam centenas. Foram as precursoras da Web e, de fato, muitas delas transformaram-se nos atuais provedores de Internet.
As telas de entrada das BBS usavam uma elaborada Ascii Art (forma de arte utilizando apenas caracteres Ascii). Abaixo podemos ver a tela de abertura de uma BBS radioamadora italiana, exibindo este tipo de arte, usando um dos mais famosos softwares da época, o F6FBB, ou apenas FBB, criado pelo radioamador e engenheiro francês, Jean-Paul Roubelat. Seu prefixo de radioamador deu nome ao programa.
Programas como o F6FBB permitiam montar BBS's sofisticadas para operação através de rádio pacote, usando um Modem do tipo do nosso Baycom. Montamos nossas "Workstations" com um desses programas, o tsthost, e podíamos através dele mandar mensagens e trocar arquivos, inclusive fotos, simulando uma BBS. Tudo, evidentemente, a passo de tartaruga, em termos atuais.
Para vocês terem uma idéia, a velocidade máxima era de 300 bps... isso mesmo, bps, mas nem isso era alcançado na prática. A velocidade real de transmissão era bem inferior... O jeito, então, era ficar limitado ao envio de arquivos pequenos e mensagens de texto, usando e abusando de compactadores para reduzir ao máximo seu tamanho.
Esse sistema foi o antepassado das atuais rêdes sociais, isso quase 30 anos atrás! Surgiam até tretas, como uma famosa, entre meu amigo Falconi e um imbecil, dono de uma repetidora e BBS de Campinas, que não gostou de alguma postagem dele e o baniu de sua rede. Essa provocação foi encarada pelo nosso estimado PY2EOB, que usando a faixa de CW (destinada à telegrafia), criou sua própria NET.
Em 1995, o Falconi, dotado de um talento excepcional para a eletrônica e grande habilidade técnica, desenvolveu um novo Modem baseado no conversor A/D AMD7911 e gentilmente doou-me uma unidade, que também conservo com carinho até hoje.
Minha área de interesse era mais na parte de software, no desenvolvimento de programas. Eu e Falconi compunhamos então uma dupla imbatível. Estudei com afinco o protocolo AX.25, derivado do X.25, projetado especificamente para uso em radioamadorismo.
Este protocolo era a base da transmissão do rádio pacote, usando as denominadas digipeaters, as estações repetidoras. Sobre ele podiam ser transmitidas outras camadas de dados, tais como IPv4 e TCP... e estava feita a ponte para conexão com a Internet.
O AMD7911 era um circuito bem mais elaborado e permitia velocidades maiores, mas por aquela época os servidores de Internet já começavam a bombar por aqui, e o Packet Radio, bem como as BBS, tornaram-se completamente obsoletos em pouco tempo.
Foi, entretanto, uma verdadeira escola para muitos de nós e, sem dúvida alguma, um laboratório para o desenvolvimento da grande rêde mundial de computadores, a Internet.
Quando relembro aqueles tempos de pioneirismo, fico abismado com o avanço que alcançamos, principalmente considerando as limitações técnicas dos equipamentos de que dispunhamos.