Quem poderá nos salvar?

Publicado em 23/08/2015

Num comentário ao meu artigo "Verdades Inconvenientes", publicado neste Blog, minha amiga Elizabete, lançou uma questão interessante: quem será o "Salvador da Pátria?!". Outro grande amigo, Arnaldo, deu sua ponderada opinião, da qual, com sua permissão, gostaria de destacar o seguinte trecho:

(...) tratemos todos nós de nos salvarmos. Não do tipo "cada um por si" mas com fundamento na justiça de "todos por todos". Porque sozinho ninguém se salva. Portanto, vamos nos unir para nos salvar, para tentar tirar o nosso Brasil desse atoleiro de corrupção, malvadeza e imoralidade.

Atavismo, no dicionário, é definido como:

atavismo

substantivo masculino

  1. bio - reaparição em um descendente de caracteres de um ascendente remoto e que permaneceram latentes por várias gerações.
  2. fig. - hereditariedade biológica de características psicológicas, intelectuais, comportamentais.

A segunda definição, no sentido figurado do termo, explica muito do comportamento dos povos. No caso da Gens Brasiliensis, podemos remontar ao tempo colonial, no qual se esperava que a solução dos problemas, para o bem ou para o mal, viesse da metrópole.

Depois veio a independência, por aqui ardilosamente engendrada pela coroa portuguesa, que manteve no trono, como imperador, seu próprio herdeiro que, aliás, seria também Pedro IV em Portugal. No seu curto reinado, sendo ele um sujeito com tendência absolutista, as soluções só podiam provir dele.

Já no longo reinado de seu filho e sucessor, Pedro II, embora ocorresse uma gradual democratização das decisões, compartilhadas com ministérios e parlamento, o poder ainda permanecia centralizado no imperador que, na propaganda oficial, aparecia como aquele confiável velhinho, com longas barbas brancas de sabedoria, semelhante ao "papai Noel" que seria inventado pela Coca-Cola algumas décadas mais tarde. Passou a ser dele, então, que o povo esperava as soluções para os problemas da Pátria amada.

A República, constituída entre nós mais por pressão das grandes oligarquias de latifundiários descontentes, entre outras coisas, com a Lei Áurea, apenas substituiu a figura do imperador por outro "salvador", encarnado nos primeiros tempos por militares de punho forte, depois pela sucessão de oligarcas na época do "café com leite".

Seguiu-se a ditadura de Vargas, o primeiro "pai dos pobres", que em seguida retornaria, democraticamente eleito, para se afogar num "mar de lama". Mais recentemente, veio Juscelino, o desenvolvimentista, sucedido por Jânio com sua vassoura que nada varreu, renunciando ao mandato e mergulhando o País numa grave crise institucional, que culminou com a Redentora e, depois de 21 anos, após a devolução do poder aos civis, com a "Nova República" dos tempos atuais.

Neste breve resumo da nossa história política, percebem como imiscuiu-se na genética do povo brasileiro essa necessidade de haver sempre um "salvador da Pátria", alguém que milagrosamente nos tire do buraco?

Esse culto à personalidade é responsável pelo surgimento de líderes populistas, que almejam apenas sua perpetuação no poder, talvez até eles próprios se julgando "salvadores da Pátria".

Contudo, como bem salientou o Arnaldo, essa figura não existe. Salvadores somos todos nós e, de nossa evolução como cidadãos e homens de bem, é que depende a salvação da Pátria. Enquanto não rompermos esse atavismo histórico, de nada adianta substituir seis por meia dúzia.

Tenho visto muitas propostas defendendo o estabelecimento do regime parlamentarista, como é comum ocorrer por aqui nos tempos de crise.

Sou contra, exatamente pelo momento. Uma troca do regime presidencialista para o parlamentarista, em pleno desenrolar de uma crise, está fadada ao insucesso, como já ocorreu no passado, no governo de João Goulart.

Isso é uma coisa que precisa ser discutida em tempos de calmaria, antecedendo-se uma ampla reforma política. Uma reforma não dessas cosméticas que se tem feito, mas que contemplem temas como a extinção das siglas de aluguel, o fim do foro privilegiado para crimes comuns, o voto distrital e a redução do tamanho do nosso dispendioso aparato legislativo. Temas que, por aqui, com a dimensão atingida pela corrupção generalizada, parecem até uma utopia.

Sejamos todos salvadores da Pátria no nosso dia-a-dia, nas pequenas coisas, sem extremismos, pacificamente, como tem sido as manifestações patrióticas dos domingos, sem necessidade de financiamento com tubaína e sanduíche de mortadela, como mencionado no editorial do "Estadão" de hoje.

Não contavam com nossa astúcia!

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