Ostracismo
Publicado em 03/11/2015
Um problema comum em qualquer democracia é o surgimento de um líder muito carismático. Certamente isso não constitui, em si, nenhum crime, mas uma pessoa com excessiva influência pode se tornar perigosa, mesmo quando suas ideias não o sejam ou gerem conflitos entre as classes sociais.
Na antiga Grécia, para proteger as democracias ainda não suficientemente maduras do surgimento de tiranos, os atenienses desenvolveram um engenhoso sistema, denominado ostracismo, levado a cabo em duas etapas:
- Todo ano, a Assembléia do Povo (ekklesia) decidia se deveria ser feita uma votação para submeter algum cidadão ao ostracismo. Não havendo uma maioria inequívoca, a questão estava automaticamente encerrada, mas se o povo desejasse "defenestrar" alguém, marcava-se uma votação para uma data futura, normalmente dois meses depois.
- Para cada eleitor era dado um caco de cerâmica (ostrakon) no qual ele escrevia o nome de um político que considerasse potencialmente perigoso. Feita a votação, que segundo o historiador Plutarco de Queroneia precisava de um quorum mínimo de 6.000 cacos, ou seja, votos, o político mais votado era exilado de Atenas por um período de dez anos.
A ilustração desta crônica é de um Ostrakon mencionando Pericles, filho de Xantipo.
Um processo simples, que durante muito tempo protegeu as incipientes democracias gregas das tiranias, do absolutismo e da corrupção.
"Peço ao povo que me esqueça." — Com esta frase, o presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo, despediu-se do poder.
Foi atendido. Não fosse o fato de ter sido o último presidente do regime militar instaurado pela revolução de 1964, poucos lembrariam de seu nome ou de seu governo.
Muitos outros exemplos poderíamos encontrar de outros governantes, aqui e no estrangeiro, caídos no mais profundo olvido.
Alguns cargos, por sinal, são talhados para jogar seus ocupantes no limbo da história. Quem se lembra, por exemplo, de quem foi o presidente da Câmara dos Deputados uma década atrás? Para que você não perca tempo procurando no Google, adianto-lhe que nada menos do que três ilustres excelências ocuparam tal cargo naquele ano: João Paulo Cunha do Nascimento, condenado no julgamento do "mensalão", encerrou seu mandato iniciado em 2003; sucedeu-o Severino José Cavalcanti Ferreira que, envolvido no escândalo do "mensalinho", renunciou ao mandato em setembro daquele nefasto ano, sendo sucedido por José Aldo Rebelo Figueiredo, que ficou no cargo até 2007.
Voltemos então apenas meio-século atrás. Quem presidia nossa Câmara em 1965, no alvorecer da "redentora"? Um tal de Olavo Bilac Pereira Pinto, da UDN. Além dos mineiros, alguém sabe quem foi? E se sabe, conhece seu legado como presidente da Câmara dos Deputados?
É como eu disse: tem cargos que existem para jogar seu ocupante no mais absoluto esquecimento, exceto, talvez, na Wikipedia. Lá, por sinal, consta que o ilustre Olavo Bilac Pereira Pinto fez oposição aos governos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek e apoiou o Golpe de 1964.
Nossa atual presidente, por sua vez, poderia brilhar na história como a primeira presidente mulher da República, se tivesse encerrado sua carreira no primeiro mandato. Agora, àquele galardão deverá somar-se outro, bem menos honroso: o de ter conduzido o País à mais profunda recessão econômica de sua história.
Na maioria das vezes, a forma pela qual os políticos serão lembrados depende de terem acertado a hora de cair no ostracismo.