La vie en rose

Publicado em 05/11/2015

Dona Maria Augusta Morais Sarmento Ferreira Bittencourt de Oliveira e Silva, para os íntimos Dona Guta, como esse “baita” nome já insinua, não era apenas rica, mas podre de rica... e de nascença. Filha de banqueiro, esposa de dono de uma grande empreiteira, mãe de deputados e senadores, levava a vidinha na maciota, entre a Fazenda em Pernambuco, a casa de praia nas Salinas de Maragogi, o apartamento em Nova Iorque, a cobertura em Paris ou, durante as férias dos netos, na mansão em Orlando.

Com tantas propriedades, era natural que Dona Guta dispusesse de uma enorme criadagem, composta por jardineiros, motoristas, caseiros, camareiras, cozinheiras e outros ajudantes.

Nas conversas de alta roda, jactava-se sempre de que todos os seus empregados no Brasil eram registrados, com carteira assinada e tudo.

Isso correspondia mais ou menos à verdade, naquela época em que o registro era praticamente facultativo, sem controle nenhum.

Raramente algum empregado descontente por haver sido demitido sem justa causa ousava entrar com uma ação trabalhista e, quando isso eventualmente acontecia, Dona Guta contava com o grande escritório de advocacia contratado pela empresa do maridão para cuidar de tudo, sem grandes ônus.

Quando começou a ser discutida a chamada “PEC das domésticas”, Dona Guta foi chamada por um dos advogados, que lhe esmiuçou as implicações da vindoura regulamentação, descrevendo em detalhes todos os direitos e deveres dela decorrentes.

Dona Guta ouviu atentamente, e não vacilou: substituiu todos os empregados por imigrantes ilegais. Haitianos, bolivianos, peruanos e outras nacionalidades passaram a compor sua força de trabalho aqui no Brasil, agregando-se aos colombianos e mexicanos que a serviam nos Estados Unidos e aos refugiados sírios que empregava na Europa.

Passando a temporada de final de ano em Paris, Dona Guta não ficou sabendo da prorrogação do prazo de cadastramento e para pagamento do eSocial, o complicado “Simples Doméstico”, em virtude de “problemas técnicos”.

Chamou a camareira Fátima e pediu que mandasse o motorista Mustafá preparar a Mercedes para levá-la ao Le Castiglione Cafe, onde iria se encontrar com umas amigas brasileiras para tomar um banho de cultura no Louvre, ali perto.

Oui, mon ami, la vie est belle.

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