Felicidade
Publicado em 29/09/2015
Desde criança, Felisberto atendia pelo apelido de Feliz, inspirado no prefixo do seu nome. Nada mais irônico... O pai, alcoólatra inveterado, cuidou para que tivesse a mais infeliz das infâncias. Seguiu-se um período igualmente infeliz no orfanato, onde passou a adolescência, depois da morte da mãe. E assim, de infelicidade em infelicidade, foi levando a vida.
Depois de longos anos de trabalho estafante, sempre perseguido pelos chefes e vilipendiado pelos colegas, abandonado pela esposa, que antes o corneara bastante, sem filhos, acabou adoecendo. Cardiopatia grave.
Para conseguir a almejada aposentadoria por invalidez e, quem sabe, ter um pouco de paz no final da vida, precisava passar por perícia médica na Previdência Social.
Todavia, a longa greve dos servidores previdenciários impedia que a felicidade finalmente batesse à sua porta. Os meses foram passando até que, num final de semana, foi anunciado o fim da greve.
Na segunda-feira, Feliz era o primeiro da fila... e foi o primeiro a saber que a repartição não iria abrir. Talvez na quinta-feira, depois do governo assinar o acordo com os grevistas, pois, afinal de contas, ninguém mais confia no governo. Além disso, os peritos continuariam em greve e seu caso teria que aguardar mais algum tempo.
Foi demais para a paciência de Felisberto. Quis forçar a entrada e foi contido por um segurança truculento que lhe aplicou um par de bofetadas. Teve uma crise de hipertensão e morreu ali, na porta da agência, vítima de um infarto fulminante. Não sofreu. Morreu feliz.