Dependência Digital
Publicado em 23/08/2015
Meu avô, o velho Gaeta, contou-me certa vez que, na sua adolescência, teve o privilégio de visitar a Exposição do Centenário da Independência em 1922 e, entre as atrações em destaque, havia um receptor de rádio que, no dia da sua visita, reproduzia ao vivo a transmissão de uma ópera encenada no Teatro Municipal, no Rio de Janeiro. Segundo meu avô, as pessoas admiravam, pasmadas, a novidade, enquanto alguns, céticos, diziam que aquilo era uma farsa. Devia haver um gramofone escondido dentro do gigantesco aparelho, reproduzindo um disco!
Já durante minha infância, em meados da década de 1950, o rádio dominava soberano, como meio de comunicação de massa. Mas não podemos dizer que fosse algo viciante, tirando as macacas de auditório do “Programa Cesar de Alencar”. Recordo-me que minha mãe, às vezes, deixava o rádio ligado para “preencher o vazio”, mas isso não a impedia de continuar suas tarefas domésticas, cantarolando uma ou outra música mais famosa.
Existia também o cinema, uma forma de popularização do teatro, mas seu acesso ainda era restrito às cidades, e o grosso da nossa população vivia no campo.
Parece que a vida corria então mais vagarosa. As pessoas se visitavam e, enquanto as crianças brincavam no quintal, os homens discutiam política, literatura ou filosofavam na sala e as mulheres trocavam receitas e fofocas na cozinha. Nas noites quentes de verão, o passeio era até a praça central da pacata Cruzeiro, por isso chamada romanticamente de “Passeio Público”, onde eu e minha irmã corríamos em torno do chafariz, admirando seus jatos d’água que refletiam luzes multicoloridas, num efeito de caleidoscópio...
No final daquela década, vim a conhecer outra novidade: a televisão. Nosso primeiro aparelho foi adquirido em 1961. E a partir daí, cada vez mais, as coisas foram mudando. Com a televisão apareceu a novela e as pessoas passaram a se visitar menos, a conversar menos.
Esse fabuloso meio de comunicação em massa, o maior durante décadas, poderia ter cumprido um enorme papel educador. Ao invés disso, os horários nobres foram invadidos por telenovelas, programas de auditório herdados da era do rádio e de gosto duvidoso, enfim, esse besteirol que vemos na programação, principalmente dominical, e que imbeciliza o povo.
Hoje em dia, tudo isso está sendo ultrapassado pela Internet, uma mistura de todos os meios de comunicação de massa anteriores, mas que inclui um componente inteiramente novo: a interatividade.
Como toda invenção humana, a nova era da comunicação digital pode ser usada para o bem, como nenhum outro, mas também pode e está sendo usada para o mal. Desde a invasão da privacidade, até coisas mais tenebrosas, como tráfico de entorpecentes e pessoas, pedofilia, terrorismo e por aí afora.
A coisa, entretanto, que mais me alarma, é constatar o quanto estamos ficando dependentes dessas novas tecnologias. Alguns falam mesmo num verdadeiro “vício digital”. Eu próprio, confesso, fico tenso quando não estou conectado. E quanto a vocês, quem resistiu clicar no link anterior?
Além disso, com a consulta fácil ao alcance dos “clics”, vamos ficando preguiçosos na pesquisa e damos por verdadeiro tudo o que encontramos no Google e na Wikipedia, sem um mínimo de verificação da veracidade das fontes. Como já disse em outro artigo, vamos nos tornando especialistas em generalidades.
Diferentemente do rádio e da televisão, que sempre tiveram algum tipo de controle, a Internet é ainda um ambiente de liberdade quase total de expressão. Muitos acham que isso é uma vantagem e que todo tipo de censura é abominável, com o que eu concordo, desde que haja um elevado grau de auto-censura. Caso contrário, irá contribuir para uma alienação cada vez maior da sociedade.
A “Hecatombe Zumbi” talvez não venha a ser composta por monstros deformados, mas por uma multidão de pessoas com fones tampando os ouvidos, que não desgrudam para nada do seu “smartphone”.